domingo, 19 de junho de 2011

Texto da Cris que saiu no jornal O Dia

LER É FUNDAMENTAL
por Maria Cristina Manella Cordeiro*


Recentemente, foi divulgada uma pesquisa realizada pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual o Brasil amargou a 53ª posição no ranking de leitura entre os 65 países avaliados.
A lista apresenta nas dez primeiras colocações: China, Coréia do Sul, Finlândia, Hong Kong, Singapura, Canadá, Nova Zelândia, Japão, Austrália e Holanda, todos com pontuação bem acima da média estabelecida pela OCDE.
Embora o governo federal tenha optado por um olhar mais otimista, divulgando em campanha nacional que o Brasil está entre os países que obtiveram melhoria (diminuta) nos seus índices, o resultado da pesquisa deixa claro que existe uma falha no processo de aprendizagem que precisa urgentemente ser sanada.
O Inaf – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, que mede diretamente as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros, criado em 2001 por duas organizações não-governamentais – a Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro – apontou, em 2009, que entre a população brasileira de 15 a 64 anos, 54% dos indivíduos que cursaram da 1a a 4a série e 24% dos que frequentaram entre a 5o e 8a séries, atingem no máximo o grau rudimentar de alfabetismo (capaz de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares). Apenas 38% dessa população atinge o nível pleno de alfabetismo, permitindo que a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a matemática como meios de informação e aprendizagem.
A partir desses dados desastrosos, constata-se que muitos brasileiros concluem o ensino fundamental e mesmo o ensino médio sem ter aprendido a ler. E se nao aprenderam a ler, naturalmente também não aprenderam ciências, história, geografia ou biologia. Afinal, decifrar palavras não é leitura, saber ler envolve necessariamente o pleno entendimento do conteúdo do texto. Esse quadro impactante revela ainda que não conseguimos formar massa crítica suficiente para alavancar um país sob bases sustentáveis.
Tive a oportunidade de conhecer numa escola australiana, na cidade de Gold Coast, Estado de Queensland, um programa desenvolvido pelo Governo do Estado que leva o significativo nome de “Support a Reader” (Apoie um leitor). O projeto tem o objetivo de auxiliar crianças dos primeiros anos escolares com alguma dificuldade em leitura, a desenvolver essa habilidade fundamental ao sucesso de sua trajetória escolar. Para tanto, prepara-se um time de voluntários, formado, na sua maioria, por pais de alunos, que irão auxiliar seus assistidos a transpor as dificuldades que lhes impedem de ser um leitor fluente.
No workshop preparatório, perde-se a conta das vezes em que se frisa aos futuros “supporters” a necessidade de se certificar, constantemente, se a criança está entendendo o conteúdo do que está lendo. O resultado disso é que, em média, tendo como parâmetro um ano escolar, a criança sobe três níveis na sua capacidade de leitura e, principalmente, termina o ano lendo. Enquanto isso, estamos aqui muito mais preocupados em inflar o currículo escolar, inserindo cada vez mais disciplinas no curto espaço de tempo que a criança permanece na escola.
Outro ganho do programa, além do óbvio envolvimento da comunidade na vida escolar das crianças, é a possibilidade de se detectar desde logo se a criança apresenta alguma dificuldade de aprendizagem, como a dislexia, por exemplo, permitindo o seu devido acompanhamento desde cedo.
Não é preciso ser um expert no assunto para compreender a importância e o impacto de programas tão singelos quanto esse na vida de um cidadão e de uma nação. Em vez de procurar driblar os indicativos do nosso nível educacional, como substituindo a frequência ao ensino médio pelo Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (Portaria MEC 4/2010), ou recomendando às escolas que deixem de reprovar os alunos até o 3º ano do ensino fundamental, nossos governantes deveriam repensar todo o sistema educacional, comprovadamente falido, e investir pesado na qualidade do ensino. Um bom começo seria corrigir a desastrosa e desestimulante política salarial de professor, que deveria ser uma das profissões mais valorizadas, pois, em nenhum lugar do mundo há boas escolas sem bons professores, assim como
não se constrói um país sólido e edificante sem que sua população esteja preparada para o pleno exercício da cidadania.
O Brasil precisa dar esse passo sob pena de, embora nadar em águas aparentemente claras, acabar morrendo na praia.
* Maria Cristina Manella Cordeiro é procuradora da República no Rio de Janeiro e trabalha no Ofício de Educação, Minorias e Cidadania do MPF